Portos: o ano 2024 em revista
Uma Visão Global: Crescimento e Desafios Geoestratégicos
O comércio marítimo global cresceu 2% em 2024, estabilizando-se após anos de disrupções pandémicas e logísticas. No entanto, o setor enfrentou novos desafios geoestratégicos, como:
- Guerra na Ucrânia: Continuou a desviar rotas de transporte, encarecendo os custos operacionais e obrigando os operadores a alternativas mais longas e menos eficientes.
- Tensões no Médio Oriente: Perturbaram as rotas no Golfo Pérsico, impactando o transporte de petróleo e GNL.
A Seca no Canal do Panamá
A seca prolongada no Canal do Panamá destacou os impactos tangíveis das alterações climáticas nas infraestruturas marítimas globais. A redução do nível de água nos reservatórios obrigou à limitação do calado dos navios, restringindo a capacidade de carga e provocando atrasos significativos nas operações. Esta situação resultou num aumento substancial dos custos de transporte e na procura por rotas alternativas, sublinhando a vulnerabilidade das cadeias de abastecimento globais a fenómenos climáticos extremos. Portos e operadores marítimos enfrentaram o desafio de ajustar operações, enquanto empresas logísticas tiveram de lidar com o aumento de preços e prazos de entrega.
Este episódio reforçou a necessidade urgente de adaptar e fortalecer as infraestruturas marítimas para enfrentar as alterações climáticas. Medidas como a diversificação de rotas, o investimento em portos mais resilientes e a promoção de tecnologias verdes são essenciais para mitigar riscos futuros. Além disso, iniciativas globais de cooperação, como planos para a redução de emissões no setor marítimo, tornam-se cada vez mais críticas. A seca no Canal do Panamá não foi apenas um alerta, mas também um catalisador para repensar estratégias de sustentabilidade e resiliência no comércio marítimo internacional.
A Europa e a Negligência Estratégica
Na Europa, os portos são a espinha dorsal das cadeias de abastecimento e da segurança energética e alimentar. No entanto, o Relatório Draghi, que traça um plano para a revitalização da economia europeia, falhou em reconhecer o papel central do setor marítimo-portuário. Apesar de destacar a digitalização, sustentabilidade e cadeias de valor, o transporte marítimo foi relegado para segundo plano, ignorando o seu impacto transversal na economia.
Essa ausência de visão estratégica é um erro grave. O setor marítimo não é apenas uma infraestrutura logística; é uma peça-chave para a competitividade europeia, especialmente num momento em que potências globais como China e Estados Unidos continuam a investir massivamente nas suas infraestruturas portuárias.
Automação e Greves nos Portos
O avanço da automação nos portos tornou-se uma prioridade global em 2024, especialmente para aumentar a eficiência e reduzir custos operacionais. Tecnologias como guindastes automatizados e sistemas de gestão digital de carga continuam a transformar os portos mais avançados, promovendo maior competitividade. Contudo, estas mudanças enfrentam resistência significativa dos trabalhadores, preocupados com a perda de postos de trabalho.
Para que a Europa mantenha a sua relevância económica, é crucial colocar o setor marítimo-portuário no centro do planeamento estratégico. Este setor é mais do que uma engrenagem da logística; é o coração pulsante do comércio global e da transição energética e digital.
Nos Estados Unidos, as greves nos principais portos da Costa Oeste, como Los Angeles e Long Beach, sublinharam as tensões entre sindicatos e operadores portuários. Os trabalhadores exigiram melhores condições de trabalho e garantias contra a automação descontrolada. Estes protestos, que resultaram em atrasos e disrupções nas cadeias logísticas, destacam o delicado equilíbrio entre inovação e proteção laboral – um desafio que outras regiões, incluindo a Europa, também terão de enfrentar à medida que a digitalização avança.
Sustentabilidade: Um Desafio Inadiável
O aumento das emissões de CO₂ acelerou a implementação de medidas como a inclusão do setor no Sistema de Comércio de Emissões (ETS) da União Europeia. Embora esta seja uma iniciativa positiva, o sucesso da transição verde dependerá de investimentos em tecnologias inovadoras, como combustíveis alternativos e sistemas de propulsão mais limpos. A Europa enfrenta uma corrida contra o tempo para alinhar sustentabilidade e competitividade no setor marítimo.
Portugal: Crescimento e Perspetivas de Transformação
Portugal destacou-se em 2024, registando um crescimento de 7% na movimentação portuária, com o porto de Sines a liderar com um aumento impressionante de 16,6%. Estes números demonstram que investimentos em infraestrutura e modernização podem gerar resultados significativos. No entanto, o sucesso português é um lembrete de que os portos europeus não podem prosperar sem uma visão coordenada e apoio robusto da União Europeia.
O desempenho português sublinha como as dinâmicas globais afetam diretamente os portos locais. Questões como descarbonização, digitalização e disrupções geopolíticas exigem respostas não apenas a nível nacional, mas também a partir de uma abordagem pan-europeia.
Em novembro de 2024, o Governo português aprovou o Decreto-Lei n.º 92/2024, que alarga o prazo máximo das concessões portuárias de 30 para 75 anos. Esta medida visa aumentar a atratividade e a captação de investimento para o setor, permitindo que os concessionários tenham um horizonte temporal mais alargado para amortizar e remunerar os seus investimentos. O decreto-lei aplica-se tanto a novos contratos como a concessões em execução, desde que o prazo total não exceda os 75 anos.
Esta alteração legislativa é vista como um passo positivo para reforçar a competitividade dos portos portugueses no mercado internacional. Ao proporcionar maior segurança jurídica e estabilidade aos investidores, espera-se que esta medida estimule investimentos significativos em infraestruturas, tecnologia e sustentabilidade, alinhando-se com as melhores práticas internacionais.
E agora, de 2024 para o Futuro?
O balanço de 2024 expôs tanto as conquistas quanto as vulnerabilidades do setor marítimo-portuário. Enquanto avanços em sustentabilidade e crescimento moderado apontam um caminho promissor, a falta de reconhecimento estratégico na Europa compromete a capacidade de enfrentar desafios globais.
Para que a Europa mantenha a sua relevância económica, é crucial colocar o setor marítimo-portuário no centro do planeamento estratégico. Este setor é mais do que uma engrenagem da logística; é o coração pulsante do comércio global e da transição energética e digital.
Que 2025 traga a visão e ação necessárias para garantir um futuro sustentável e competitivo para este setor vital.
Artigo opinião:IRIS DELGADO
Mestre em Gestão Portuária, pela Escola Náutica Infante D. Henrique
Fonte:https://www.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Condutores Profissionais
Reserva-se o direito de moderar, apagar, bloquear qualquer comentário ofensivo ou que não cumpram as regras do bom senso entre todos os intervenientes.
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.