domingo, 15 de dezembro de 2024

🇵🇹 TÚNEL DA GARDUNHA (Artigo opinião)

 

Túnel da Gardunha – A decisão de nada decidir


Enquadramento

O Túnel da Gardunha, localizado próximo de Alpedrinha (Fundão), é hoje uma infraestrutura essencial na região da Beira Interior, facilitando o fluxo de  veículos pela A23 e reduzindo substancialmente o tempo de deslocação entre o Centro / Sul de Portugal e a fronteira de Vilar Formoso; afastando os tráfegos de passagem dos centros urbanos e deixando as vias de matriz regional para atenderem aos fluxos locais.

Pouco depois da sua inauguração, em 1997, e com a aproximação de um grande evento nacional (Expo 98), o Túnel da Gardunha, na altura apenas com uma galeria com os dois sentidos de trânsito, foi incluído nas vias com restrições à circulação de mercadorias perigosas (veículos pesados sinalizados com painéis laranja, em conformidade com o ADR[1]), com a publicação da Portaria n.º 331-A/98, onde se definiu uma proibição integral (7x24h), sem aplicação de exceções e sem nunca terem sido pensadas opções para estas cargas.

Reforçando essa proibição, foram colocados sinais de “trânsito proibido a veículos de  transporte de mercadorias perigosas” (C3p) estendendo-se, desta forma, a proibição a veículos ligeiros sinalizados com painéis laranja.

Mesmo após 2003, com a inauguração da segunda galeria e a consequente separação dos sentidos de trânsito (2×2 vias), a legislação manteve-se apaticamente imutável, apesar dos protestos dos transportadores e de condutores profissionais, em especial, das populações do Município do Fundão que viram as suas ruas estreitas ocupadas com tão grandes e “especiais atravessadores”.

Presentemente, este túnel que se encontra na A23 (autoestrada concessionada à SCUTVIAS –  Autoestradas da Beira Interior, S.A. até setembro de 2032) é, na realidade, constituído por dois túneis: Gardunha I/IA, com duas galerias de extensão diferentes (1620 m / 1570 m)Gardunha II (290 m), que se situam no troço designado Castelo Novo-Fundão, existindo ainda mais dois túneis nesta autoestrada, a caminho da Guarda: o Túnel da Ramela (313 m) e o Túnel do Barracão (335 m).

A Portaria atrás referida foi atualizada pela primeira vez em 2006 (Portaria n.º 131/2006), e apesar dos contributos da Comissão Nacional do Transporte de Mercadorias Perigosas (CNTMP) e dos seus membros (desde 2003 até ao presente), bem como da avaliação de risco efetuada pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) em 2019, a pedido da concessionária, e do parecer do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) em 2020, a pedido do IMT, IP., nada foi feito em relação à restrição no túnel. Mesmo após a revogação da Portaria, com a publicação da Portaria n.º 281/2019 (mais tarde “corrigida” pela Portaria n.º 163/2021), por autismo da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), a aberração da proibição foi sendo mantida, apesar do risco reduzido que aconselharia à sua classificação na “Categoria de Túnel A – Nenhuma restrição ao transporte de mercadorias perigosas”.

Desconheço se a Resolução n.º 20/2010, da Comissão Nacional de Proteção Civil, que define o “Plano Especial de Emergência de Proteção Civil para o Túnel da Gardunha e Alpedrinha”, prevê a possibilidade de atravessamento do túnel por veículos carregados com mercadorias perigosas abrangidos por isenções ou (porque simplesmente é tentador retirar os “painéis laranja” para ganhar tempo, poupar combustível e ganhar saúde mental evitando os tortuosos percursos “alternativos” para não atravessar o túnel) prevê a existência acrescida de incumprimentos/ocultações. É quase garantido que não prevê a afetação de meios humanos e materiais para um eventual acidente, numa das inúmeras ravinas e desfiladeiros ou numa das povoações atravessadas pelas estradas que desta forma passam a ser mais utilizadas.

Atualmente, segundo dados da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT), o tráfego médio diário anual (TMDA) na A23 está abaixo dos 10000  veículos (8916 veículos em 2022), não deixando de ser interessante referir que no troço em que se encontra o túnel o TMDA é superior ao da restante via, mostrando a importância desta infraestrutura, também em termos regionais, como poderá ser verificado no gráfico da Figura 1 – TMDA na A23 2019-2022 (Troço Castelo Novo – Fundão).

Num futuro próximo, em 2025, a eliminação das portagens nas antigas SCUT irá potenciar um aumento do tráfego nacional e internacional na A23. Contudo, o transporte de mercadorias perigosas continuará a ser empurrado para vias que só os que não são profissionais ou não têm sensibilidade consideram ser opções.

As restrições à circulação no transporte de mercadorias perigosas

Quando se pensa em mercadorias perigosas, assume-se, muitas das vezes, o todo pela parte e, não raramente, vêm à memória acidentes como o de “Los Alfaques – Tarragona (1978)”, com a explosão de um veículo-cisterna carregado com Propileno (gás liquefeito inflamável) junto a um parque de campismo, ou o incêndio no “Túnel do Mont Blanc (1999)”, em que nem sequer se transportavam mercadorias classificadas como perigosas…

No entanto, o risco é substancialmente diferente consoante o tipo de mercadoria transportada e a forma como é feito o transporte, em embalagens, em cisternas ou a granel.

A avaliação do risco no atravessamento de um túnel está dependente da infraestrutura (extensão, número de galerias e de vias, inclinação/declive, sistemas de segurança ativa e passiva, etc.) e de três perigos principais suscetíveis de provocar um grande número de vítimas ou de danificar gravemente a sua estrutura, nomeadamente:

(a)          Explosões;

(b)          Fugas de gás tóxico ou de líquido tóxico volátil; e/ou

(c)          Incêndios.

Com vista a harmonizar os critérios aplicados internacionalmente, a partir de 2007 o ADR definiu um sistema para a tipificação de categorias de túneis para o atravessamento com mercadorias perigosas:

Categoria de túnel A:

Nenhuma restrição ao transporte de mercadorias perigosas;

Categoria de túnel B:

Restrição ao transporte das mercadorias perigosas suscetíveis de provocar uma explosão muito importante;

Categoria de túnel C:

Restrição ao transporte das mercadorias perigosas suscetíveis de provocar uma explosão muito importante, uma explosão importante ou uma fuga importante de matérias tóxicas;

Categoria de túnel D:

Restrição ao transporte de mercadorias perigosas suscetíveis de provocar uma explosão muito importante, uma explosão importante ou uma fuga importante de matérias tóxicas ou um incêndio importante;

Categoria de túnel E:

Restrição ao transporte de todas as mercadorias perigosas[2]

Indicando para cada produto (nº ONU) o seguinte código, conforme aplicável:

Para cada transporte de mercadorias perigosas, a tripulação do veículo recebe, na documentação de transporte, a identificação de cada mercadoria com o respetivo, ou respectivos, “códigos de restrição em túneis”, prevalecendo o que for mais restritivo.

Como o ato legislativo que levou à proibição existente no Túnel da Gardunha é anterior à entrada em vigor deste sistema, foi unilateralmente assumida a classificação como “Categoria E”, sem a existência de qualquer avaliação de risco (digna desse nome), apesar de, paralelamente, o Decreto-Lei nº 75/2006 (que transpôs a Diretiva 2004/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, sobre os requisitos mínimos de segurança em túneis com mais de 500 m), obrigar à existência de avaliações de risco para o atravessamento destas infraestruturas por transportes de mercadorias perigosas.

A manutenção da proibição de transporte de mercadorias perigosas no Túnel da Gardunha não tem qualquer base científica.

Ainda assim, a (in)sensibilidade dos (não) decisores, no conforto dos seus gabinetes, nunca considerou a perspetiva de quem está na cabine de um camião e que considera inrrazoável e perigoso o caminho que é dado.

Não obstante as alterações e as melhorias significativas introduzidas na infraestrutura, como a introdução de sistemas de deteção automática de incidentes, a pressurização das galerias pedonais de emergência, a melhoria no sistema de supervisão e controlo e aquisição de dados permitindo, a par com a identificação de painéis laranja com OCR, informação em tempo real no Centro de Controlo do Túnel ), a tutela continua a teimar em manter a proibição…

Para agravar tudo isto, contrariamente ao que é desejável e exigido, não se indica a categoria do túnel nos sinais de aviso/pré-sinalização que antecedem a última divergência/saída (Figura 3), sendo apenas indicada a categoria após ultrapassado o último desvio!

Além disso, o painel adicional colocado sob o sinal (H35 – Túnel), como poderá ser visto na Figura 4 – Entrada do Túnel da Gardunha I (sentido Sul/Norte) Google Maps 05/2024, não está de acordo com o Regulamento de Sinalização do Trânsito (Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, conforme sucessivamente alterado) para o modelo nº 14a “categoria do túnel quando está sujeito a restrições ao transporte de mercadorias perigosas”.

Segundo a intuição de alguns, a proibição do transporte de mercadorias perigosas no Túnel da Gardunha é uma medida de precaução que visa minimizar os riscos de acidentes com consequências graves mas, atendendo às características atuais do túnel, a avaliação de risco considera este ser displicente e por isso a proibição contribui apenas para aumentar a distância, a duração das viagens, o consumo de combustível e o risco de outros acidente (por exemplo, de despiste, de atropelamento ou de embate no cruzamento com outros veículos).

Recorde-se que o Túnel do Marão (5625 m), três vezes e meia mais extenso, está classificado na Categoria A! Para reduzir o risco, o sistema CCTV do túnel tem associada alarmística que permite identificar a entrada de veículos que estejam sinalizados com painéis laranja, garantido assim um melhor acompanhamento remoto e com isso uma maior prontidão na resposta a uma eventual emergência.

Sem restrições à circulação, por exemplo, torna-se mais expedito o abastecimento de oxigénio a hospitais ou o transporte de produtos químicos para tratamento de águas, ou o simples abastecimento de gás engarrafado a refeitórios de unidades industriais ou às populações, tornando igualmente menos oneroso o transporte de resíduos que possam ser classificados como mercadorias perigosas.

Infraestruturas de segurança e as limitações do túnel

A segunda galeria do Túnel da Gardunha, aberta em 2003, trouxe melhorias importantes na segurança do tráfego, criando vias unidirecional que minimizam o risco de colisão e proporcionando uma maior fluidez de trânsito. Além disso, as infraestruturas de segurança, como o sistema de ventilação e monitorização, foram sujeitas a melhorias e atualizações significativas, muito distantes das condições existentes em 1997.

O TMDA reduzido e os sistemas de segurança ativa e passiva conseguem garantir que o risco é substancialmente reduzido, havendo contudo sempre espaço para a melhoria, bem como uma reavaliação em caso de alteração das condições operacionais. Por exemplo, como acontece em alguns países, a classificação do túnel pode ser diferente em função da hora ou do dia da semana, consoante as condições previstas de tráfego.

Há muito que as empresas que efetuam transportes de mercadorias perigosas procuram, de todas as formas, redução do risco de acidente, menor stress para a tripulação dos veículos, além da redução de CO2 e diminuição dos tempos de operação (com reflexos óbvios nos custos!) promovendo o uso de autoestradas ou vias equiparadas. Os túneis foram criados para eliminar constrangimentos da orografia, reduzir distâncias, aproximar populações e aumentar a eficiência dos transportes e da economia.



A sinalização luminosa e os painéis informativos dinâmicos, a par de uma inteligência e automação reforçada do Centro de Controlo e da formação dos operadores, são igualmente fortes contributos para a redução de eventuais consequências gravosas, onde sistemas de ventilação capazes de dissipar fumos e gases, e saídas de emergência que facilitem os procedimentos de evacuação, evitam a exposição a perigos adicionais.

“Alternativas” à passagem pelo Túnel da Gardunha

Com a proibição em vigor, os transportadores de mercadorias perigosas são obrigados a procurar rotas alternativas, como a Estrada Nacional 18 (EN18), que atravessa a Serra da Gardunha através de uma estrada montanhosa e com curvas acentuadas, representando desafios adicionais, como:

Aumento do tempo e custo de transporte: As rotas alternativas são mais extensas e exigem um aumento no consumo de combustível e do tempo de deslocamento, gerando custos operacionais mais elevados para as empresas de transporte.

Maior exposição a acidentes: As estradas alternativas, como a EN18, são mais estreitas e apresentam maiores variações de altitude, com uma maior exposição a riscos de colisão e de derrapagem, especialmente em condições de clima adverso.

Risco ambiental e de segurança rodoviária: As estradas alternativas passam por áreas habitadas e ecossistemas naturais, elevando o risco de acidentes com impactos ambientais, caso ocorra um derrame de substâncias perigosas.

Diminuição da competitividade nacional/regional: Empresas com operações na região da Beira Interior ou com matriz exportadora enfrentam dificuldades logísticas adicionais, o que pode prejudicar a sua competitividade.

Conclusão

A manutenção da proibição de transporte de mercadorias perigosas no Túnel da Gardunha não tem qualquer base científica.

Apesar de todas as evidências e estudos efetuados por técnicos e entidades idóneas, há um número reduzido de (ir)responsáveis que insistem em negar o óbvio benefício em matéria de segurança no atravessamento do túnel em oposição aos trajetos alternativos.

É fácil manter tudo na mesma, decidindo não decidir (no conforto dos seus gabinetes), a vida de muitos profissionais que, todos os dias, têm de percorrer estradas sinuosas, estreitas e menos seguras, bem como a vida de populações que se encontram distantes.

Diz o ditado popular, “longe da vista, longe do coração” mas neste caso, poderemos questionar se será apenas insensibilidade.

[1] Acordo relativo ao transporte internacional de mercadorias perigosas por estrada

[2] Exceto aquelas para as quais «(-)» está assinalado na coluna (15) do Quadro A do Capítulo 3.2 do ADR e ao transporte de “Quantidades Limitadas” que não excedam 8 toneladas de massa bruta total por unidade de transporte.

 Artigo Opinião do Autor:JOÃO CEZÍLIA

Fonte:https://www.transportesenegocios.pt/tunel-da-gardunha-a-decisao-de-nada-decidir/





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